“Penso, logo existo”.

Talvez a mais célebre frase da filosofia, que imortalizou René Descartes e sua obra Discurso do Método, publicada em 1637, nos traz muito o que pensar, mas uma verdade certeira: todos, sem exceção, somos seres pensantes, dotados de uma subjetividade que faz de cada um um ser singular. Ao pensar nisto, reflito a respeito das noções próprias de igualdade e liberdade, se equivocadas ou não, e até que ponto as compreendemos de fato.

A meu ver, a questão deve inicialmente ser analisada quanto à subjetividade própria e seu surgimento, o que nos remete, também, à questões sociais e ao multiculturalismo. Uma sociedade surge a partir da convivência estável e duradoura entre indivíduos, o que produz o fenômeno social, que consistem em usos: intelectuais, opiniões públicas, técnicas vitais, costumes, morais e que levam ao surgimento do próprio Direito e do Estado. Os usos, por si, possuem uma realidade coercitiva enquanto vigentes e justamente vigem porque os indivíduos se submetem mutuamente à vigência de opiniões e valorações, formando convicções humanas e tábuas de valores.

Para Friedrich Nietzsche, que com excelência destrinchou as implicações dos valores sobre o Homem e Sociedade, somos aprisionados pelo o que denomina espírito do pesadume, um conjunto de traços culturais, ideológicos, morais, dentre outros, que herdamos do meio social. E não é a toa que cada cultura tenha seus próprios costumes e convicções, não sendo estranho que seus adeptos em muito se assemelhem. Isto porque, desde a nascença, estas convicções e todos estes valores nos são transmitidos e ensinados, somos doutrinados e nos encontramos, então, encerramos em nós mesmos.

Pensamos, sim. Daí existirmos. Mas pensamos a que maneira? A nossa própria? Ou a que fomos ensinados? Quando trazemos à esse debate as questões de igualdade e liberdade, muito se tem a dizer, mas o que será dito dependerá da pessoa que estiver com a fala.

Se perguntarmos, por exemplo, a um conservador extremista, nascido na década de 1940, qual sua opinião acerca da união homoafetiva, as chances de que a repudie, até mesmo sob pretextos religiosos, serão grandes. É o que se espera, pela realidade em que criado e os anos em que viveu. Será que esta pessoa teria, de fato, liberdade, então, para nos responder algo diverso ou a resposta fatalmente seria esta?

Afirmei no início que cada ser é dotado de subjetividade, o que o tona uno e singular, com particularidades que o distingue de qualquer outro. Seria possível, então, concebermo-nos todos iguais, sem distinção? Creio que não.

O que há de mais valioso em cada um de nós são estes traços que nos fazem únicos, mas é necessário que compreendamos quais os traços distintivos dos seres que devem ser celebrados e aqueles que não devem.

A liberdade e a igualdade, tal como as compreendemos, não bastam para as reais necessidades do mundo contemporâneo e não atendem as demandas da diversidade populacional e nem a multiculturalidade e plurietnicidade, mas reivindicam uma revolução que virá apenas através da educação e da informação, como historicamente se provou, questões pelas quais precisamos lutar. Enquanto o ser não superar a si próprio e se livrar do que lhe é escarrado pelo meio social, talvez não se livre do pesadume, talvez não seja livre e nem exerça uma liberdade plena.

E sob outra perspectiva, se afirmássemos que todos os seres são iguais, como reza o art. 5º, da Constituição Federal, negaríamos a legitimidade de todos os movimentos libertários e igualitários que ainda que reivindicam por seus direitos e por melhores condições de existência - sim, existência.

É importante lembrarmos e reafirmarmos que diariamente pessoas marginalizadas, e marginalizadas apenas e tão-somente por força dos fenômenos sociais, vivem à beira da civilização, como abjetos, onde as normas jurídicas e sociais que a nós se aplicam não são aplicável e não possuem qualquer validade ou eficácia, como se em sociedade em apartado vivessem.

Se trago a reflexão de que o exercício da liberdade e da igualdade não passam de mera ilusão, deixo a afirmação de que para muitos - e não há dúvidas aqui -, a liberdade e a igualdade passam longe de ilusão, são sonhos distantes de uma realidade que não virá em um futuro tão próximo se não começarmos a mudar agora.

Estas são questões que trago ao leitor, mas deixo em aberto, iniciando um diálogo. A busca pelo conhecimento nunca é demais, lembrando-se que não existe liberdade individual sem responsabilidade coletiva.