Julgamento pode alterar política de financiamento para instituições especializadas e divide opiniões entre defensores da inclusão plena e familiares que temem retrocessos no atendimento educacional de pessoas com deficiência

Brasília, 7 de junho de 2025 – Uma ação em julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) tem causado preocupação em milhares de famílias e instituições dedicadas à educação de pessoas com deficiência em todo o país. A corte analisa a constitucionalidade de repasses públicos a escolas especializadas, como as APAEs (Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais), o que pode impactar diretamente o financiamento dessas entidades e reacender um debate antigo: a inclusão total em escolas regulares versus o direito à educação especializada.

A ação foi movida por organizações que defendem a aplicação irrestrita do princípio da inclusão, com base na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e na legislação brasileira. Para os autores, o financiamento público deve ser direcionado exclusivamente à educação inclusiva em escolas regulares, sob o argumento de que manter instituições paralelas perpetua a segregação.

Por outro lado, representantes das APAEs, entidades filantrópicas e pais de alunos com deficiências severas alertam que a possível suspensão dos repasses colocaria em risco a continuidade do atendimento a milhares de estudantes que dependem de estruturas e profissionais especializados.

“A inclusão é um princípio importante, mas precisa ser feita com responsabilidade e respeitando a realidade de cada pessoa. Forçar a ida de todos para escolas regulares sem a devida estrutura é condenar muitos alunos ao abandono educacional”, afirma Maria Luiza Ferreira, presidente da Federação Nacional das APAEs.

Corte Dividida e Impacto Nacional

A relatoria do processo está nas mãos da ministra Cármen Lúcia, e o julgamento foi retomado nesta semana com placar dividido. Enquanto parte dos ministros defende a manutenção do modelo híbrido – em que a família pode optar entre o ensino inclusivo ou o especializado – outros enxergam nas instituições como as APAEs uma “barreira à plena inclusão”.

Atualmente, cerca de 400 mil estudantes com deficiência intelectual, múltipla ou transtorno do espectro autista são atendidos em instituições especializadas no Brasil. A maioria delas depende de convênios com prefeituras e verbas do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica).

Sociedade Civil Mobilizada

Diante da possibilidade de corte de recursos, manifestações têm ocorrido em várias cidades do país. Famílias, profissionais da educação especial e estudantes promoveram atos em frente a tribunais regionais e câmaras municipais, pedindo respeito à pluralidade de modelos e à autonomia das famílias na escolha do melhor caminho educacional.

“Minha filha autista evoluiu muito na APAE. Tentamos colocá-la na escola regular, mas não havia mediador, nem adaptação de material. Foi traumático. Hoje ela está feliz e sendo respeitada”, relatou João Ribeiro, pai de uma aluna atendida em São Paulo.

Inclusão com Apoio ou Exclusão Disfarçada?

O debate revela uma tensão latente no campo da educação inclusiva: como garantir o direito à igualdade sem ignorar as diferenças? Para especialistas em educação, a inclusão total só é efetiva quando acompanhada de investimentos em formação de professores, acessibilidade física, adaptação curricular e suporte especializado.

“O risco é transformar uma política nobre em uma exclusão silenciosa. As escolas regulares ainda não estão preparadas para receber todos os perfis de alunos com deficiência”, alerta a pedagoga Andréa Tavares, mestre em educação especial pela UFRJ.

O julgamento no STF deve ser concluído nas próximas semanas e terá efeito vinculante, ou seja, impactará todas as instâncias do poder público. Enquanto isso, milhares de famílias seguem em estado de alerta, temendo que uma decisão judicial desconectada da realidade possa representar um duro golpe para uma das redes de apoio mais consolidadas da educação brasileira.