A Inteligência Artificial (IA)
vem ganhando força como tecnologia já bastante utilizada no presente e com
potencial de transformar atividades produtivas e do cotidiano no futuro
próximo. Mas na corrida pelo domínio desse campo, o Brasil está atrasado em
relação a outros países, tanto na área da pesquisa quanto na das aplicações
práticas e do mercado envolvendo tais soluções.
A IA é considerada por
especialistas e na economia não somente como um segmento com grande potencial
econômico, mas também como um elemento gerador de receitas em diversos
segmentos produtivos. Neste sentido, seu desenvolvimento não está relacionado
apenas a um setor de tecnologia de ponta, mas a um elemento base da chamada
transformação digital, que já atinge agricultura, indústria, finanças e atividades
cotidianas.
Reconhecendo essa importância,
Estados Unidos e China travam uma disputa pela liderança global. Os Estados
Unidos são o lar das maiores empresas de tecnologia do mundo, como Amazon,
Google, Microsoft, Apple, Facebook e IBM. Mas os rivais asiáticos vêm galgando
postos nos rankings com grandes conglomerados digitais. Em seu plano para o
tema, a meta é igualar os americanos até este ano.
Na lista das 100 maiores empresas
de 2019 da consultoria Price Waterhouse Coopers, as quatro primeiras são
companhias de tecnologia estadunidenses: Microsoft, Apple, Amazon e Alphabet
(Google), com o Facebook em 6º. Mas no ranking das 10 primeiras, já aparecem
duas concorrentes chinesas, Alibaba e Tencent. A primeira é um megagrupo de
comércio eletrônico com atuação global. Já a segunda possui algumas das maiores
redes sociais do planeta, como QQ e WeChat.
Um exemplo dos ganhos com a
adoção de IA é o grupo de serviços financeiros chinês Ant. Controlado pelo
conglomerado Alibaba, tornou-se a maior fintech [firma que oferece serviços
financeiros por meio de plataformas tecnológicas] do mundo e já atinge um bilhão
de clientes em todo o planeta. A empresa utiliza IA para diferentes tipos de
serviços, como concessão de empréstimos, gestão de finanças e seguros. A
tecnologia é empregada, por exemplo, no exame dos riscos de crédito dos
candidatos.
O Brasil não possui firmas de
tecnologia no ranking, aparecendo apenas com a Petrobras na 97a posição.
Entretanto, o Brasil ficou em terceiro na criação de “unicórnios”, empresas com
valor de mercado acima de US$ 1 bilhão, atrás apenas de EUA e China e empatado
com Alemanha. Como base de comparação, os americanos criaram 78 unicórnios em
2019, enquanto os asiáticos tiveram 22 companhias nessa condição no ano
passado.
A disputa entre Estados Unidos e
China se mostra em aspectos distintos. Na pesquisa, por exemplo, a China ultrapassou
os Estados Unidos neste quesito em 2006 e publica mais do que os americanos e a
União Europeia, conforme dados do principal relatório internacional sobre o
assunto, o AI Index, elaborado pela Universidade de Stanford, nos EUA.
Por outro lado, a América do
Norte foi responsável por 60% das patentes nesta área no período entre 2014 e
2018. No ranking de publicações em periódicos científicos em números absolutos,
o Brasil aparece em 15ª. Quando considerado este desempenho em relação à
população, o país cai para a 36ª posição. Já no ranking de patentes, o Brasil
não figura no grupo dos 24 principais países analisados.
"O Brasil tem potencial
imenso em termos científicos. Temos excelentes pesquisadores e ótimo público,
pois nossa população em geral é muito conectada. Só que me preocupa essa fuga
de cérebros que tem ocorrido, a gente vê profissionais e pesquisadores saindo
do Brasil por inúmeras questões, além de fracos incentivos na área de pesquisa.
Apesar o potencial, vejo Brasil perdendo fôlego nessa corrida de IA",
pontua a professora do Departamento de Ciência da Computação da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Jonice Oliveira.
“A IA capacidade e possibilidade
de impacto transversal na economia, mas isso depende de vários fatores, como
capacidade de investimento das empresas, disponibilidade de profissionais,
ecossistema que formação e apoio governamental e público, financiamento público
e privado. Se a gente olha para essas necessidades, vemos que o Brasil está
radicalmente atrás deste processo”, reforça o professor da Universidade Federal
do Ceará (UFC) e integrante de uma rede internacional de pesquisa sobre o tema
Edemilson Paraná.
Investimentos
No tocante aos investimentos, o
desempenho de cada país evidencia uma distribuição bastante desigual. Segundo o
IA Index, a partir de bases como Crunchbase e Capiq, do total aportado em
projetos envolvendo essas soluções técnicas entre 2018 e 2019, mais de US$ 30
bilhões foram em iniciativas nos Estados Unidos.
Outros US$ 25 bilhões apoiaram
empresas e instituições chinesas. Em terceiro lugar aparece o Reino Unido, com
menos de US$ 5 bilhões. O ranking é dominado por nações da América do Norte,
Europa e Ásia. Do grupo de 27 países, o Brasil aparece em último, com
desempenho próximo do zero.
Segundo relatório da Associação
Brasileira de Empresas de Tecnologia da Informação (Brasscom) sobre
perspectivas de investimento do setor entre 2018 e 2022, dos R$ 345 bilhões
previstos em tecnologia de transformação digital, apenas R$ 2,5 bi seriam direcionados
para essas aplicações. “Estes números comparados parecem muito modestos”,
observa Sérgio Galindo, diretor executivo da entidade.
Força de trabalho
De acordo com o AI Index, o
Brasil foi o segundo país com maior crescimento na contratação de profissionais
lidando com a tecnologia no período entre 2015 e 2019, atrás apenas de
Cingapura. Em seguida vêm Austrália, Canadá e Índia. “Talvez a gente não tenha
a formação suficiente, número de pessoas suficiente para atender à demanda”,
pontua o cientista de dados da startup Semantix Alexandre Lopes.
Segundo dados da Associação
Brasileira de Empresas de Tecnologia da Informação (Brasscom), o setor de
tecnologia da informação deve demandar 420 mil novos empregos entre 2018 e
2022. Deste total, contudo, apenas 1,8% seriam em projetos de IA. A prioridade
atual no mercado, conforme indicou a pesquisa, é a contratação de programadores
de aplicativos em dispositivos móveis, como smartphones.
Experiências
Um dos segmentos com adoção mais
avançada da IA é na relação com clientes. Serviços de atendimento de diversas
empresas passaram a funcionar com robôs de conversa, ou chat bots, para receber
as demandas, fornecer respostas e somente repassar a um atendente em casos em
que os sistemas não conseguiram resolver. Diversos bancos lançaram assistentes
virtuais, como o Bradesco (Bia), Itaú (AVI), Inter (Babi), Banco Central (Din).
De acordo com o Bradesco, seu assistente virtual possuía em 2019 uma taxa de
resolução de 95%.
Na saúde, a IA vem permitindo
avanços na área de diagnóstico e na realização de procedimentos médicos. Em
2016, o Brasil tinha 30 robôs auxiliando cirurgias no Sistema Único de Saúde
(SUS).
“Há óculos que podem projetar uma
imagem de cirurgia e com isso um médico participar de uma mesma cirurgia. Há
luvas que já evitam que um médico trema por um motivo ou por outro. Tem análise
de imagem já feita de forma automática. A máquina analisa com bons resultados
para tratamento de câncer”, elenca a professora Rosa Vicari, da UFRGS.
Outra área em que a IA vem
crescendo é no direito. Partindo da capacidade de compreensão de textos
escritos, sistemas passaram a ser utilizados em análises de processos. O
Supremo Tribunal Federal (STF) criou um projeto denominado Victor para exame de
casos de repercussão geral, como parte de seu programa de transformação
digital. Segundo a corte, verificações que levavam cerca de 45 minutos por
funcionários do Tribunal passaram a ser processadas em cinco segundos pelo
sistema.
“Essa ferramenta promete trazer
maior eficiência na análise dos processos com economia de tempo e recursos
humanos, além de ter potencial de atuação em todo o Judiciário brasileiro”,
declarou o presidente do STF, Dias Toffoli, em palestra sobre o tema realizada
em Brasília, em outubro de 2019.
A Petrobras contratou a Microsoft
para utilizar IA nos programas de segurança no trabalho, para funcionários
atuando em navios-sonda ou em plataformas. Por meio de análise de imagens, o
sistema identifica se equipamentos de proteção estão tendo uso adequado. O
programa também consegue por meio de imagens conferir se há algum tipo de
obstrução de rotas de fuga. “São ambientes críticos e qualquer acidente que ocorrer
pode causar risco. Se a gente tiver qualquer rota de fuga, por carga mal
posicionada. Isso pode impactar vida de pessoas”, comenta João Thiago Poço, da
Microsoft.
As companhias oferecendo soluções
no mercado podem tanto ser segmentadas quanto trabalhar com aplicações
diversas. No primeiro grupo está a startup Car10. A plataforma dela permite que
o cliente tire foto de uma batida de carro, enviando uma estimativa de
orçamento. Caso a pessoa fique interessada, pode solicitar uma proposta
oficial, que será enviada em até 30 minutos, sem a necessidade de ir até o
local para uma avaliação.
No segundo grupo está a Semantix,
startup criada a partir do polo tecnológico da Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp). Entre os produtos comercializados está um sistema para
padronizar laudos médicos, corrigindo erros, outro para organizar rotas de
transporte de cargas em rodovias para otimizar o tempo e os gastos com
combustível, uma plataforma para gerir a parte de análise de dados (big data)
com segurança e uma solução de detecção de fraudes em vídeo.
“Quando uma pessoa vai abrir uma
conta no banco, você precisa mandar um vídeo para eles mostrando seu documento.
Nós automatizamos este processo, conseguindo fazer identificação se a pessoa é
ela, se o áudio condiz com o texto proposto e se o vídeo é gravação de outro
vídeo ou está usando uma máscara”, explica Alexandre Lopes, cientista de dados
da Semantix.
Pesquisa
Desde o último ano, novos centros
de pesquisa vêm sendo criados a partir do incentivo do governo federal. O maior
será o da Universidade de São Paulo, em parceria com a IBM e com outras
organizações, como o Instituto de Tecnologia da Aeronáutica (ITA), a PUC SP e a
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). O laboratório
receberá R$ 4 milhões por ano para financiar estudos a serem desenvolvidos por
mais de 120 pesquisadores.
Entre as linhas de pesquisa estão
o processamento de linguagem natural em português e métodos de aprendizado de
máquina. Mas também haverá investigações relacionadas à área de humanidades.
“Vamos procurar fundamentos para avaliar políticas públicas”, conta o
coordenador, Fábio Cozman, professor titular da Escola Politécnica da USP.
Entre as pesquisas, haverá aplicações direcionadas a setores considerados
prioritários em razão do contexto socioeconômico brasileiro: saúde, agronegócio
e meio ambiente.