O nome Margarida Bonetti
ficou conhecido na última semana após sua história ser contada em um
podcast do jornal Folha de S.Paulo. Chamada de "a mulher da casa
abandonada", a brasileira que morava em Higienópolis, bairro nobre de São
Paulo, é,
na verdade, uma foragida do FBI, departamento de polícia dos Estados
Unidos.
Ela e o marido, Renê
Bonetti, são acusados de manter a empregada doméstica no porão da casa em que
viviam, sem salário nem auxílio médico, sofrendo agressões e impedida de deixar
o local por 20 anos, período em que o casal viveu no exterior.
Mas, enquanto o marido foi
condenado a seis anos e meio de prisão nos Estados Unidos e teve que pagar
indenização, Margarida – ou Mari, como se apresenta aos vizinhos – fugiu para o
Brasil e acabou não sendo julgada.
Segundo Alexys Campos,
advogado de direito penal do escritório de advocacia Cascione, ainda que se
saiba onde Margarida está, "a mulher da casa abandonada" não poderá
ser presa pelo FBI, pois apenas autoridades brasileiras têm jurisdição para
executar a lei penal no país e qualquer ação para sua captura seria uma
violação da soberania.
"A intervenção de
autoridades estrangeiras respeita uma série de acordos internacionais,
condicionados também às leis nacionais. Nesse raciocínio, qualquer
'intervenção' de autoridade estrangeira depende de colaboração com o Poder
Judiciário brasileiro."
Apesar disso, nesse caso
específico, o especialista explica que o ponto não é a capacidade de
colaboração pelos canais oficiais, mas sim o fato de que, pela Constituição, o
Brasil não extradita brasileiros natos. Dessa forma, mesmo pedidos formais de
extradição para execução da pena no exterior costumam ser negados.
Segundo o advogado, a
alternativa seria pedir ao Brasil que 'entregue' a acusada para cumprir a
pena, já que a extradição é vedada pela Constituição.
'A mulher da casa
abandonada' pode ser presa em alguma circunstância?
O advogado explica que,
apenas pelas informações públicas, Margarida Bonetti não pode ser presa no
Brasil, pois não se conhecem as particularidades do caso dos Estados Unidos.
"Ainda que o brasileiro
não seja extraditado, existem mecanismos processuais e de cooperação
internacional que permitem homologar sentença estrangeira no Brasil, para a
reparação de dano e outros efeitos cíveis, além de medidas de segurança. Mesmo
nessa hipótese, a reclusão não seria legalmente possível",
completa Alexys Campos.
Sólon Cunha, advogado
trabalhista e sócio do escritório Mattos Filho, explica que isso ocorre pois,
como a infração de Margarida não aconteceu no Brasil, ela também não pode ficar
detida no país.
"O crime foi cometido
em território americano. O trabalho análogo à escravidão foi tipificado nos
Estados Unidos, então, pelo princípio da territorialidade, a reclusão deveria
ocorrer lá."
Desse modo, outra hipótese
para processar Margarida pelo crime seria o interesse do Estado brasileiro na
condenação da acusada, promovendo uma nova ação penal, um processo iniciado do
zero, por aqui.
"Nessa situação, mesmo
que a infração tenha sido cometida no estrangeiro, estaria sujeita à aplicação
da lei brasileira com possibilidade de execução da lei penal."
O especialista revela,
porém, que, nesse caso, seria necessário atentar a alguns detalhes aos quais
não temos acesso, especialmente quanto à prescrição dos fatos.
Mesmo assim, ele afirma que
não se pode ignorar que outros fatos que surjam das informações recentes tenham
pertinência criminal. Dessa forma, como no eventual debate de maus-tratos em
animais resgatados da casa de Margarida, há a possibilidade de "persecução
criminal", procedimento que busca a investigação mais o processo.
O trabalho análogo à
escravidão no Brasil
Sólon Cunha explica que
condição análoga à escravidão é caracterizada como crime em nossa lei penal.
Apesar disso, na legislação trabalhista não há uma lei específica que trate do
tema.
"Há regras
administrativas, editadas pelo Ministério do Trabalho, que orientam a
fiscalização e que criaram a denominada 'lista suja', na qual o Ministério do
Trabalho aponta aqueles que foram investigados."
Em casos assim, o advogado
relata que um agente de inspeção do trabalho, ao constatar um trabalhador
submetido ao trabalho análogo à escravidão, faz um relatório, um auto de
constatação, do flagrante. Após encerrar o relatório, ele encaminha ao tomador
do serviço, que tem um prazo de defesa. Sendo julgada “subsistente” essa
autuação, o nome daquele tomador vai para a “lista suja”.
"Essa é uma
consequência restritiva, pois a sociedade se impõe, há uma repercussão social e
consequências econômicas. Além disso, não há mais nenhum financiamento por
parte de bancos públicos ou empresas públicas, os bancos privados também têm
política de que, se a pessoa, física ou jurídica, for flagrada por trabalho
análogo ao escravo, ela sofrerá uma série de restrições a seu crédito."