Costa norte do Brasil surge com fragmentação de supercontinente
A Margem Equatorial brasileira tem ocupado o noticiário nos últimos
meses, por conta das divergências sobre a exploração de petróleo na Foz do Rio
Amazonas. Na verdade, esse trecho da costa brasileira, voltado para o norte e
próximo da linha do Equador, já vem atraindo interesse da indústria petrolífera
há alguns anos, por seu potencial petrolífero.
As recentes descobertas de reservas de petróleo no litoral das Guianas
chamaram ainda mais a atenção para essa nova fronteira exploratória do país,
especialmente para a região mais próxima desses países, a bacia da Foz do
Amazonas.
A expectativa do Ministério de Minas e Energia é de que a Margem
Equatorial se torne um novo pré-sal. As reservas estimadas são de pelo menos 30
bilhões de barris de petróleo, segundo a Petrobras, citando dados da Agência
Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Além da Foz do
Amazonas, há outras quatro bacias neste trecho da costa (Potiguar, Ceará,
Barreirinhas e Pará-Maranhão).
Mas por que essa parte da costa brasileira é tão promissora para a
existência de reservas de petróleo? Para entender, é preciso saber como essa
região se originou e compreender como se formam os campos petrolíferos.
Hoje a costa equatorial brasileira é conhecida principalmente por suas
belezas naturais, como as praias do Nordeste, os Lençóis Maranhenses e as
florestas do Delta do Amazonas. Mas nem sempre foi assim. A conformação atual
do litoral brasileiro, na verdade, é relativamente recente, se comparada com a
idade do planeta Terra (estimada em 4,6 bilhões de anos).
Há 130 milhões de anos, essa parte do país não estava localizada em uma
costa, mas em um interior desértico. Naquela época, a América do Sul nem
existia como um continente separado. O que hoje se conhece como Brasil era
parte de um outro continente, a Gondwana, uma gigantesca massa de terra que
incluía também a África, a Antártida, a Austrália e o subcontinente indiano.
Atlântico Sul
A região não tinha contato com o Oceano Atlântico, até porque a parte
sul do oceano simplesmente nem sequer existia nesse período. Por volta de 130
milhões de anos atrás, no entanto, movimentos do magma abaixo da crosta
terrestre começaram a forçar a separação da América do Sul e da África.
Em toda a história geológica do planeta Terra, movimentos de placas
tectônicas ocorreram e continuam ocorrendo, uma vez que a crosta terrestre
flutua, como placas fragmentadas, sobre o magma, um fluido viscoso. Há mais de
200 milhões de anos, por exemplo, a Gondwana fazia parte de um outro
supercontinente, a Pangeia, mas movimentos tectônicos ocorridos na passagem do
período Triássico para o Jurássico forjaram o surgimento da América do Norte e
a abertura do Atlântico Norte.
Esse evento deixou algumas marcas de vulcanismo inclusive no território
brasileiro. Uma formação geológica chamada de gráben (depressão) de Calçoene
mostra que nessa época formou-se um rift (uma fratura na crosta terrestre), na
Foz do Amazonas, mas que não evoluiu a ponto de despedaçar a Gondwana.
Algumas dezenas de milhões de anos depois, foi a vez de a parte oriental
da Gondwana se desprender do continente, originando o subcontinente indiano, a
Antártida e a Austrália.
A Gondwana ocidental inicialmente manteve-se unida, mas logo suas duas
partes constituintes, as placas da América do Sul e da África, também começaram
a ser forçadas em direções opostas, no início do Cretáceo Inferior (período
geológico que se estende de 145 milhões a 100,5 milhões de anos atrás).
Ao longo de uma falha tectônica com milhares de quilômetros, essas
placas começaram a se distanciar e a criar o Atlântico Sul. A separação se deu
em diferentes frentes, iniciando-se pelo sul do continente.
“O processo de abertura do Atlântico [Sul] se iniciou de 130 a 120
milhões de anos atrás. A última parte a desprender mesmo foi a porção ali da
Margem Equatorial”, explica o pesquisador do Serviço Geológico Brasileiro (SGB)
Eugenio Frazão.
Fragmentações
Na Margem Equatorial, o processo de separação levou cerca de 20 milhões
de anos, em pelo menos duas frentes, segundo o geólogo Adilson Viana Soares
Júnior. Professor da Universidade Federal do Estado de São Paulo (Unifesp) e
presidente do núcleo paulista da Sociedade Brasileira de Geologia (SBGeo),
Soares Júnior estudou a margem equatorial por vários anos.
“[A Margem Equatorial] começou a quebrar a partir do noroeste e foi
seguindo para dentro do continente. Ou seja, veio das Guianas, do Amapá, entrou
no Pará, Maranhão e depois seguiu para o Rio Grande do Norte. [A fragmentação]
veio progredindo também de sudeste para noroeste, ali da Bacia de Potiguar em
direção à Bacia da Foz do Amazonas”, explica o geólogo.
Segundo ele, essa fragmentação aconteceu no chamado Cretáceo Inferior,
entre as idades geológicas do Barremiano (de 125,8 milhões a 121 milhões de
anos atrás) e do Albiano (de 113 milhões a 100,5 milhões).
“No final do Aptiano [de 121 milhões a 113 milhões de anos atrás], já
entrando para o Albiano, teve a junção desses dois sistemas, o sistema que
vinha de Potiguar para a Foz do Amazonas se juntou com que vinha da Foz do
Amazonas para Potiguar e viraram um só. Dois rasgos, dois rifts viraram um só,
já no Albiano”, conta Soares Júnior.
Mares interiores
Nesse processo, mesmo antes da abertura total do Atlântico Sul,
começaram a surgir mares interiores, imensos lagos, ricos em biota (conjunto de
seres vivos). Ao mesmo tempo, toneladas de sedimentos, como silte, argila e
matéria orgânica, eram despejados nesses sistemas aquáticos.
Estavam unidos ali os dois ingredientes básicos para a formação do
petróleo e gás: sedimentos e biota. É nesse período de separação final da
África e América do Sul que se deposita a maior parte dos sedimentos que
gerarão o petróleo nesse trecho do litoral brasileiro.
“É nesse momento que os mares [na zona de fragmentação] estão surgindo,
que você tem um boom de vida. Esses organismos vão morrendo e se depositando no
fundo marinho, junto com o sedimento”, diz o geofísico Victor Lopes, do SGB.
Antes do início da fragmentação da Gondwana Ocidental, afirma Soares
Júnior, não havia as condições para a formação dessas rochas geradoras. “Antes
do rifteamento [fraturamento] não tinha o buraco em que formou a bacia. Era um
grande deserto, só areia. Não tinha mar. E as rochas geradoras sempre se formam
em ambiente marinho ou lacustre.”
Mas não basta somente uma colossal mistura de sedimentos com matéria
orgânica morta para gerar o petróleo. É preciso contar com mais alguns eventos
químicos e geológicos, não apenas para formar a o hidrocarboneto, como também
para reservá-lo e impedir que ele se disperse no oceano.
Dinossauros?
Apesar de a formação dos campos petrolíferos da Margem Equatorial estar
associada ao Cretáceo, quando os dinossauros ainda eram os principais
representantes da megafauna terrestre, não é correto dizer que petróleo é
“fóssil de dinossauro”.
A maior parte do petróleo tem origem em micro-organismos, como os
fitoplânctons e zooplânctons, ou seja, protistas como algas e protozoários que
vivem flutuando nas águas. Ao morrerem, esses organismos se depositam no fundo
de lagos e oceanos, sendo soterrados pelos sedimentos.
“Essa história de petróleo vir dos dinossauros é totalmente mito. Ele
vem sempre de micro-organismos. São fitoplânctons e zooplânctons que se
proliferam e têm grande mortandade. Eles vão morrendo e se acumulando junto com
o sedimento [no fundo do mar e dos lagos]”, destaca Soares Júnior.
Apesar de serem minúsculos, micro-organismos representam a maior parte
da biomassa marinha do planeta. Ou seja, em conjunto, eles pesam mais do que os
grandes animais, como baleias ou tubarões. Estudo publicado em 2019, por
pesquisadores do Instituto de Ciências Weizmann, de Israel, estimou que
organismos unicelulares (protistas e procariotos) contribuem aproximadamente
com dois terços da biomassa marinha.
Coordenador do Instituto Tecnológico de Paleoceanografia e Mudanças
Climáticas (ITT Oceaneons), da Universidade do Vale do Rio dos Sinos
(Unisinos), Gerson Fauth destaca que, no momento em que as placas da África e
América do Sul começaram a se separar, apareceram, inicialmente, lagos entre
essas duas massas continentais.
“Antes de chegar o mar [Oceano Atlântico], existiam lagos com deposição
de matéria orgânica. Nesses lagos já tinham organismos chamados de ostracodes,
microcrustáceos que viviam no fundo desses lagos”, explica Fauth.
Conforme os dois continentes vão se separando, começa a haver a entrada
também de outros tipos de organismos, junto com a água dos oceanos. “O mar
começou lentamente a entrar e trazer também uma fauna e uma flora de organismos
muito pequenos. Destaco os foraminíferos [protozoários unicelulares com
carapaças] e os dinoflagelados [algas unicelulares]”, ressalta o coordenador do
ITT Oceaneons.
Uma vez soterrada pelos sedimentos, compostos por material fino como
argila e silte, essa matéria orgânica precisa estar em um ambiente anóxico (ou
seja, sem oxigênio ou com baixa concentração do gás) para evitar sua degradação
por outros seres vivos.
Sistema petrolífero
Com o passar dos anos, novos sedimentos vão sendo depositados sobre essa
camada sedimentar com a matéria orgânica, aumentando a temperatura e a pressão
sobre ela. Nesse processo, forma-se a chamada rocha geradora.
O componente orgânico dessa rocha são os restos das moléculas que
formavam a estrutura básica dos seres vivos: proteínas, açúcares, ácidos
nucleicos e gorduras. O que todos esses compostos orgânicos têm em comum é a
grande quantidade de átomos de carbono e hidrogênio.
Submetida às altas pressão e temperatura dos sedimentos depositados
acima, lentamente, essa matéria orgânica se transforma em petróleo e gás,
chamados de hidrocarbonetos porque são compostos formados principalmente por
cadeias de carbono e hidrogênio. Esse processo, chamado de catagênese, pode
levar dezenas de milhões de anos.
Essa é apenas a primeira peça de um sistema petrolífero. Uma vez
formado, o petróleo começa a se infiltrar por fissuras na rocha geradora e a
migrar. Sendo menos densos que a água, tanto o óleo quanto o gás tendem a
buscar a superfície, como se fossem as bolhas de ar que soltamos quando estamos
submersos.
Nesse processo, ele vai se infiltrando, no decorrer de um longo tempo,
pelos poros da rocha até atingir um local onde fica preso. Esse local, chamado
de rocha reservatório, é selado por uma camada rochosa impermeável, que impede
a saída do óleo, chamada de capeadora (ou selante).
“O sistema petrolífero precisa ter a rocha geradora embaixo, a
reservatório no meio e a selante em cima. Quando ele não consegue passar para a
superfície, ele começa a se acumular em grandes bolsões dentro da rocha
reservatório. Isso é algo que ocorre ao longo de um tempo grande, ao longo de
milhões de anos”, explica Soares Júnior.
O reservatório precisa estar em uma trapa, isto é, um local que seja
selado não apenas em cima, mas também nas laterais, para impedir que o petróleo
escape pelos lados. Um outro elemento-chave do sistema petrolífero é o
sincronismo.
Tudo precisa acontecer no momento certo para que o petróleo seja
reservado. Se não houver uma trapa quando o petróleo formado iniciar sua
migração, ele se perderá para sempre, espalhando-se na água.
Petróleo equatorial
Segundo a ANP informou à Agência Brasil, as principais formações
geológicas com potencial para geração de petróleo na Margem Equatorial são
folhelhos formados ao longo de mais de 30 milhões de anos ao longo do Cretáceo.
Folhelhos são rochas sedimentares formadas pela compactação de
sedimentos de grãos finos, como argilas e siltes. É uma espécie de lama também
conhecida na indústria petrolífera pelo nome em inglês, shale, que, com o passar
de milhões de anos, se torna uma rocha.
Na Foz do Amazonas, por exemplo, os principais geradores potenciais de
petróleo são das formações geológicas conhecidas como Codó e Limoeiro, que
datam do Aptiano e do Cenomaniano-Turoniano (de 100,5 milhões a 89,8 milhões de
anos atrás).
A formação mais antiga no entanto, é Pendência, na Bacia de Potiguar,
que se formou com as primeiras movimentações tectônicas antes mesmo do início
da abertura do Atlântico Sul, entre as idades do Berriasiano (de 145 milhões a
139,8 milhões de anos atrás) e do Barremiano.
“Essa formação foi a primeira a se depositar nesta bacia, em ambiente
totalmente continental (lagos e rios). América do sul e África estavam ainda
coladas nessa região. Ainda eram o mesmo continente e a bacia era apenas um
lago na paisagem da época. O ambiente da formação é principalmente lacustre,
com potencial pra depositar matéria orgânica e ser uma geradora, com sedimentos
de rios nas bordas do lago”, explica Soares Júnior.
As formações posteriores já se desenvolvem a partir do momento em que o
oceano estava se abrindo: Paracuru e Mundaú (da Bacia do Ceará), que se
desenvolveram no Aptiano; Alagamar (de Potiguar), que vai do Aptiano ao
Albiano; o grupo Caju (da Bacia Pará-Maranhão), cuja formação se estende do
Albiano ao Cenomaniano (de 100,5 milhões a 93,9 milhões de anos atrás);
Preguiças (da Bacia de Barreirinhas), que data do Cenomaniano; e Travosas (do
Pará-Maranhão e de Barreirinhas), que teria sido formada no Turoniano (de 93,9
milhões a 89,8 milhões de anos atrás).
A sedimentação da Margem Equatorial não parou no período Cretáceo
Superior (de 100,5 milhões a 66 milhões de anos atrás), mas adentrou a nossa
atual era Cenozoica, e continua até hoje. Essa sedimentação contínua permitiu a
formação de rochas reservatórios (mais porosas que as geradoras, como os
arenitos) e das selantes.
A deposição dos sedimentos que dariam origem aos reservatórios
potenciais conhecidos vai do Cretáceo Inferior até pelo menos o Neógeno (de
23,03 milhões a 2,58 milhões de anos atrás), se considerarmos todas as bacias.
Ao contrário do que pode se pensar, o Rio Amazonas não tem qualquer
relação com a formação de rochas geradoras de petróleo conhecidas na bacia
batizada com o nome de sua foz, uma vez que ele foi formado muito mais
recentemente. Apesar de não haver consenso na comunidade científica,
acredita-se que o curso atual do rio tenha sido traçado entre 10 milhões e 2,5
milhões de anos atrás.
Apesar disso, o rio pode ter tido papel importante na transformação da
matéria orgânica em petróleo nessas rochas geradoras, ao criar, com quilômetros
de sedimentos, a temperatura e a pressão adequadas para a formação de
hidrocarbonetos. Há regiões em que os sedimentos do Amazonas chegam a 9
quilômetros de profundidade.
Além disso, seus sedimentos também têm potencial para a formação de
rochas reservatórios. “Ele não teve papel na formação [das rochas] do petróleo,
mas pode ter influência na formação de reservatórios, porque a quantidade de
sedimento que o rio trouxe tem potencial para ser reservatório. A formação de
uma [rocha] geradora é um processo geológico que requer muito tempo, para
chegar no ponto de maturação e temperatura para gerar o hidrocarboneto. É pouco
provável que as rochas mais recentes, do Rio Amazonas, tenham potencial para
serem geradoras”, conclui Soares Júnior.
Milhões de anos em décadas
O que fica claro ao entender como se formaram o petróleo e os
reservatórios da Margem Equatorial é que processos geológicos levam uma
quantidade de tempo gigantesca, se comparados com a escala de vida humana.
Acredita-se que a nossa espécie só tenha começado a existir há poucas
centenas de milhares de anos, na idade do Chibaniano (entre 774 mil e 129 mil
anos atrás). Uma pessoa centenária precisaria de 10 mil vidas para presenciar
um processo geológico de 1 milhão de anos.
No decorrer dos milhões de anos em que estão se formando, as rochas
geradoras acumulam milhões de toneladas de matéria orgânica, ou seja, de
carbono. Enquanto está guardado sob metros ou quilômetros de rochas e
sedimentos, esse elemento químico não é liberado na atmosfera.
“Houve um acúmulo de carbono no passado e a gente está liberando esse
carbono. A gente está jogando na atmosfera tudo aquilo que o sistema
sedimentou”, afirma o geólogo Gerson Fauth.
E essa retirada do carbono do subsolo e seu lançamento na atmosfera,
principalmente na forma de dióxido de carbono (um gás que acumula calor), se dá
em uma escala de tempo humana. Estima-se que todas as reservas conhecidas de
óleo do mundo serão esgotadas em algumas décadas.
A Petrobras estimava, no fim de 2024, por exemplo, que suas reservas de
petróleo e gás provadas na época, de 11,4 bilhões de barris, se esgotariam em
apenas 13,2 anos com o ritmo atual de extração desses produtos. Ou seja, a
idade de uma criança que acabou de chegar à adolescência.
“Existem estudos que dizem que, se a gente nada fizer neste exato
momento para contornar essa situação, em 2100 a gente vai chegar ao clima que
tinha há 40 milhões de anos, ou seja, quando não tinha calota polar. Se nada
for feito, boa parte ou a totalidade dessas geleiras vão ser derretidas em
2100, se a gente continuar numa velocidade elevada do aumento da temperatura”,
conclui Fauth.